"Não existe corrente forte com elos fracos"

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Proprietarios de barranco, nossa hora vai chegar !!!!

OS DONOS DO OURO Retomada de extração em Serra Pelada tem imbróglio em contrato com barranqueiros e intervenção Por Aurélien Reys Imortalizada pela lente do fotógrafo Sebastião Salgado, a mina de ouro da Serra Pelada foi uma das mais produtivas do mundo na década de 1980. Nas célebres fotos, é possível ver milhares de pessoas trabalhando no que parecia ser um gigantesco formigueiro humano. Foram toneladas de ouro retiradas durante apenas dez anos em uma corrida anárquica pela exploração da terra. Inativa há mais de 20 anos, a mina de Serra Pelada passou por inúmeros processos judiciais ao longo do tempo, nos quais instituições e trabalhadores brigaram pelo direito de mineiração. Em 2007, um acordo foi assinado entre a Colossus Minerals, uma empresa de extração mineral baseada no Canadá, e a Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) para a retomada das atividades. No entanto, apesar dos milhões de reais injetados no projeto, até o momento a mina ainda não voltou a produzir e o acordo entre as duas instituições vem sendo alvo de diversas contestações. ONDE E QUANDO TUDO COMEÇOU A primeira pepita de ouro foi, provavelmente, retirada da Serra Pelada antes da década de 1980, mas a história da mina, que fica localizada no sudeste do estado do Pará, começa de fato no ano de 1980, com a chegada de milhares de migrantes atraídos pelo sonho dourado. Após um longo período de escavação intensa, mas também de conflito e trâmites judiciais entre garimpeiros e poderes públicos, a Serra Pelada encerra suas atividades de mineração em 1992. Neste momento, os direitos de exploração foram concedidos para a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), cinco anos antes de sua privatização pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Porém, em 2002, por causa de irregularidades, o processo foi reconsiderado e o Senado Federal liberou novamente a garimpagem em parte da área. Paralelamente, surgiu um novo interesse pela retomada da exploração da mina, que com o tempo acabou se enchendo de água e se transformando em uma imensa lagoa. A Colossus Minerals anunciou sua intenção de reativar o local e conseguiu um acordo com a Coomigasp durante uma assembleia geral extraordinária em oito de julho de 2007 em Curinópolis, município onde está localizada a mina. O documento, assinado por Pérsio Mandetta, então gerente-geral e geólogo da Colossus, estipulava que a empresa se responsabilizaria pela total exploração das riquezas em troca de 51% dos benefícios. Os outros 49% seriam divididos entre os quase 40 mil garimpeiros inscritos na Coomigasp. Desta aliança nasceu uma terceira entitade, a Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (SPCDM), titular da portaria de lavra e a quem pertecem de fato os direitos mineradores. Posteriormente, entretanto, a aliança foi renegociada e um novo contrato assinado sem maiores explicações entre o então representante da Comigasp, Gessé Simão, e a Colossus, diminuindo a parte dos garimpeiros para 25% dos lucros. Desta vez, os associados da cooperativa não foram envolvidos no processo e parte deles denunciam insistentemente a influência política na reviravolta do acordo. Nomeado interventor na Coomigasp em outubro de 2013 pela justiça de Curionópolis afim de buscar maiores esclarecimentos sobre o caso, Marcos Alexandre Mendes explica que “quando foi efetuada a análise jurídica do contrato inicial entre a Coomigasp e a Colossus Minerals foram identificados procedimentos questionáveis, fato que resultou no pedido de nulidade do contrato entre as partes”. Mas acrescenta que justamente “o esforço da intervenção neste momento é a retomada do percentual inicial do contrato, pois julgamos que essa renegociação foi prejudicial aos garimpeiros”. A porcentagem que falta, Carlos César Cerqueira, presidente da Associação dos Proprietários de Barrancos de Serra Pelada (Aprocase), quer de volta. Mas não para todos: “Nosso pleito é buscar de volta os 24% que nos tomaram sem nosso consentimento ou autorização e que estes 24% sejam divididos entre os donos de barrancos”, explica Cerqueira. O presidente acha que os proprietários dos barrancos, que são as unidades de terras exploradas na mina, deveriam ganhar mais por terem investido no negócio. Eles são 3 mil. Nesta nova batalha pelo ouro da Serra Pelada, a questão deixou de ser “a terra é de quem nela trabalha”, expressão emblemática para muitos movimentos latino-americanos de esquerda cunhada pelo revolucionário mexicano Emiliano Zapata. Os mineiros não estão lutando pela terra, mas pelo direito de renda sobre a produção, como qualquer investidor. Por isso, o conflito atual é de natureza burocrática: é preciso defi nir quem tem direito ao ouro extraído pelo fi nanciamento e força de trabalho de terceiros e em qual porcentagem. A BATALHA DOS DIRETOS MINERAIS No Brasil, os recursos minerais pertencem originalmente à União, que ocasionalmente autoriza a pesquisa e lavra por terceiros, como é o caso da Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Minera, que tem o direito de exploração. A instituição que administra o patrimônio mineral do Brasil e coordena o processo que concede tais direitos é o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia. A taxa de imposto sobre as vendas dos minerais, os seja, os royalties, são diferentes para cada mineral. A alíquota do alumínio, por exemplo, é de 3%, a do carvão é de 2% e a das pedras preciosas 0,2%. No caso da Serra Pelada, Luis Oliveira, técnico do DNPM no Estado do Pará, explica que o governo tem direito a 1% da venda do ouro correspondente à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), do qual o proprietário do solo, por sua vez, tem direito à metade deste valor. Já ao titular da concessão, é devido a propriedade do produto da lavra, como determina o Artigo 176 da Constituição Federal. Para os trabalhadores, o valor devido depende do contrato determinado entre a empresa e a cooperativa, pois não consta defi nição do DNPM. Entretanto, tanta precisão não resolve outros problemas de ordem mais prática. O primeiro deles é o controle da quantidade de minerais raros que saem de uma mina. “Para verificação da quantidade de ouro extraído são realizadas vistorias pela equipe de fiscalização da lavra composta por engenheiros de minas, geólogos e técnicos em mineração, e por equipe de fi scalização da CFEM”, afi rma Oliveira. Mas esta inspeção é limitada e aproximativa e certamente alguns minerais podem sair ilegalmente. Ninguém sabe a quantidade de ouro que a mina esconde: “A pesquisa da CVRD, em 1996, constatou 150 toneladas só de ouro - há também importantes reservas de platina no local -, mas um outro estudo, este de um geólogo e ex-funcionário da CVRD, afirma ter, sem sombra de dúvida, mais de 10 mil toneladas de ouro”, afi rma Cerqueira. É preciso levar em consideração que os cálculos das riquezas minerais costumam ser otimistas demais, como prova a esmeralda anunciada pela mídia brasileira como a mais cara da história, com avaliação de 2 bilhões de reais. A pedra teria saído do Brasil ilegalmente e agora é objeto de disputa judicial nos Estados Unidos entre seus supostos donos. No entanto seu valor é claramente superestimado, já que o diamante mais caro que se tem registro não custa nem um vigésimo deste montante. A DIFÍCIL DIVISÃO DO BOLO De fato, é praticamente impossível ter certeza da quantidade de ouro na Serra Pelada, tanto o que já foi extraído, tanto o que ainda resta. Por outro lado, mesmo que os atores privados consigam chegar a um consenso sobre a divisão dos lucros, ainda haveria o problema da partição do dinheiro entre as esferas públicas. O exemplo recente dos royalties do petróleo, cuja alíquota atinge os 15%, ilustra bem o impasse. Milhares de manifestantes foram às ruas no final de 2012, no Rio de Janeiro, para protestar contra a redistribuição dos royalties do petróleo, que favorecia as regiões não- produtoras. Desta forma, a divisão do bolo entre os estados e municípios envolvidos na produção petrolífica e os outros territórios é algo comum e já foi, igualmente, motivo de confl Ito em outros países. É mais uma subdivisão da disputa. Na Bolívia, uma crise ligada à divisão dos benefícios do gás, na década passada, quase resultou na autonomia política e financeira da província de Santa Cruz de La Sierra, quase uma separação do País. Mais recentemente, o petróleo do Sudão, que está concentrado em maior parte no sul, desempenhou um papel indireito no confl ito que dividiu o País em duas partes. A abundância de riquezas naturais em um país e todos os confl itos em diferentes níveis que vêm junto com ela, muitas vezes pode fragilizar a organização da sociedade, abrindo espaço inclusive para a corrupção. Por causa disso alguns pesquisadores chegaram a teorizar uma “maldição dos recursos”. Segundo esta tese, as riquezas naturais, ao invés de benéficas, podem se tornar uma fonte de problemas para países em desenvolvimento e atrapalhar seu progresso. Outro risco deste tipo de atividade é uma dependência exagerada de uma fonte de renda passiva, que a longo prazo não seria benéfi ca para a dinâmica econômica das regiões. Uma situação similar, em maior escala, foi a Espanha colonial que, extraindo riquezas naturais de suas colônias latino-americanas, não teve pressa para reinvestir no aparelho produtivo nacional e acabou atrasando sua entrada na era industrial. Os exemplos são numerosos. Mas Serra Pelada ainda está longe de voltar a se encaixar neste sistema. As calculadoras estão funcionando e cada um está tentando garantir sua parte, mas nada disso adianta se a mina não voltar a funcionar logo. A retomada das atividades estava marcada para 2013, mas desde então vem sendo constantemente adiada. “A última previsão feita pela Colossus sobre o início da operação para a retirada do ouro era em abril de 2014. Mas agora não temos como precisar uma nova data”, adverte Mendes. O problema é que a empresa está passando por difi culdades fi nanceiras e faltam dezenas de milhões de reais de investimento para a empreitada. “O que se ouve dizer é que de tanto pagar subornos e propinas, a Colossus quebrou e está prestes a perder tudo”, alfineta o garimpeiro Cerqueira, que trabalhou na mina durante os anos 1980. Aurélien Reys é jornalista.

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