As negociações sobre Serra Pelada remontam a 1990, quando o ex-deputado Sebastião Curió teve um encontro em Brasília com o então homem forte do presidente Fernando Collor de Mello, Paulo César Farias (PC). Naquele momento, já estavam em pauta negócios e parcerias muito semelhantes àqueles que hoje lemos no dossiê-denúncia. Ali Curió teria recusado, e Collor, em resposta, teria tombado Serra Pelada e a “devolvido” para a Vale.
Com a posterior privatização da Vale, nova proposta de parceria é consumada em 5 de junho de 2004. Sob influência do mesmo Curió – e de um de seus homens de confiança à época, Josimar Elizio Barbosa, então presidente da cooperativa –, a Coomigasp teria concretizado um convênio com a empresa de mineração Phoenix Gems do Brasil Ltda., representante da sua homônima estadunidense. Segundo reportagem
de Elvira Lobato publicada na Folha de S. Paulo (4/7/ 2004): “A Phoenix se comprometeu a entregar 40 milhões de dólares aos garimpeiros, a título de empréstimo, até 31 de julho, e a doar 200 milhões de
dólares assim que a cooperativa obtiver do DNPM (Departamento Nacional da Produção Mineral) a concessão dos direitos minerais na área. Se conseguir a concessão, a cooperativa ficará com o direito minerário sobre Serra Pelada, mas a exploração será feita, com o uso de máquinas, pela empresa americana. (...) Pelo acordo, válido por tempo indeterminado, a cooperativa terá 40% da produção que vier a ser obtida pela Phoenix dentro dos 100 hectares que foram definidos como área garimpeira pelo Congresso Nacional em 1984”.
A possibilidade de tal convênio, no fundo, só teria sido criada, de acordo com Raimundo Benigno, graças à conquistas políticas anteriores dos garimpeiros com a eleição do “presidente Lula, que em campanha prometeu devolver Serra Pelada para os garimpeiros (…)” e, sobretudo, “a contribuição do senador Edison Lobão nas questões de defesa dos garimpeiros de Serra Pelada (…) Foi ele, enquanto presidente do Senado,
que sancionou a Lei que devolve os 100 hectares para a Coomigasp”. O dossiê refere-se a um decreto legislativo de setembro de 2002, assinado pelo então presidente do Senado e presidente da República em exercício, Edison Lobão, relacionado a estes 100 hectares “devolvidos” da Vale do Rio Doce aos garimpeiros
pela União, sobre os quais recai grande parte dos interesses em jogo.
De acordo com Etevaldo Arantes (um dos coordenadores do MTM), tal “devolução” teria ocorrido também graças a uma das raras ações vitoriosas contra o processo de privatização da Vale do Rio Doce, que preservou importantes trechos de Serra Pelada nas mãos dos garimpeiros. Segundo moradores de Serra Pelada, a aliança entre Phoenix e Coomigasp, de 2004, previa uma quantia razoável em dinheiro, e um plano habitacional para os cerca de 5 mil moradores miseráveis da vila, até para garantir o remanejamento de seus barracos de cima de uma das áreas provavelmente repletas de ouro e de outros minerais. Até hoje esse plano
não foi cumprido. Assim como não teria prosperado esse convênio entre Phoenix e Coomigasp (2004), devido a uma série de entraves técnicos, políticos e jurídicos – em especial à resistência dos trabalhadores
da mineração, além de entraves junto ao Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM).
Para o Singasp, “(...) o apoio da equipe do prof. [Claudio] Scliar [do Ministério de Minas e Energia] foi fundamental para que as denúncias fossem acatadas e reconhecesse a ilegalidade do contrato”. Mas o
documento teria permanecido juridicamente em vigor, sobrevivendo, portanto o vínculo formal entre a cooperativa – detentora dos direitos do “Alvará de Pesquisa” – e a Phoenix Gems. É nesse momento que teria
entrado em campo, no lugar do antigo presidente Josimar Barbosa, a figura de Valdemar Pereira Falcão (Valder Falcão), que logo se acumpliciou com a Colossus Minerals e seus representantes no Brasil.
O dossiê afirma que “Valder Falcão assumiu a presidência da Coomigasp prometendo ficar na estória do garimpo de Serra Pelada, antes de ser eleito, garantia trabalhar em benefícios dos garimpeiros. No entanto,
fez exatamente o inverso. (…) Valder Falcão e o Dr. Jairo [Pereira Leite, advogado da Coomigasp] preferiram se aventurar na busca de empresa de mineração que viesse beneficiar a sua diretoria em detrimento aos milhares de associados. Quando o geólogo Persio Mandetta que trabalhou vários anos para a CVRD, apareceu em Serra Pelada, dizendo-se representante de várias empresas de mineração, imediatamente,
Valder Falcão e Dr. Jairo se afastam do sindicato [e] de outras cooperativas que não aceitaram as propostas
do senhor Persio Mandetta e iniciaram contatos entre a Colossus e a Proenix Gems”. Tanto Raimundo Benigno, do Singasp, como Etevaldo Arantes, do MTM, afirmam ter recusado propostas milionárias de suborno à época. Ambos afi rmam também estarem sendo ameaçados de morte por não terem compactuado com o
acordo. O sindicato ainda alega que a eleição de Valdemar Falcão também teve irregularidades estatutárias: entre outras, a ausência de voto secreto.
Paralelamente a isso, sempre segundo o relatório, o convênio entre Phoenix e Colossus teria sido firmado dias antes da assembleia da cooperativa. Uma Assembleia Geral Extraordinária (cuja ata está anexada ao dossiê) que deveria definir a escolha do conveniado, dentre as várias opções de possíveis parceiros. Entretanto o convênio
paralelo entre as duas empresas já previa em seu texto: “Considerando que a Colossus tem mantido entendimentos com a diretoria da Coomigasp (…) para a celebração de contrato que permita à Colossus realizar a exploração e possível explotação de minério de ouro e demais minérios, na área do Processo DNPM nº 850.425/1990 (…); Considerando as dificuldades enfrentadas pela Phoenix para o cumprimento de tal
contrato [com a Coomigasp, de junho de 2004] (…); resolvem as partes celebrar o presente Contrato de Parceria”. Este documento teria sido firmado no dia 28 de junho de 2007, enquanto a assembleia, que em
tese deveria decidir sobre o assunto, teria sido realizada apenas no dia 8 de julho.
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